A Vida dos Livros

UM LIVRO POR SEMANA

Nas comemorações dos 60 anos do CNC, Graça Morais concebeu uma serigrafia intitulada “A Menina do Mar”, que invoca a obra de Sophia de Mello Breyner Andresen, cuja primeira edição foi publicada em 1958 pela Figueirinhas, com ilustrações de Luís Noronha da Costa. O livro constitui uma obra-prima. “Era uma vez uma casa branca nas dunas, voltada para o mar.

UM LIVRO POR SEMANA
De 7 a 13 de Novembro de 2005


Nas comemorações dos 60 anos do CNC, Graça Morais concebeu uma serigrafia intitulada “A Menina do Mar”, que invoca a obra de Sophia de Mello Breyner Andresen, cuja primeira edição foi publicada em 1958 pela Figueirinhas, com ilustrações de Luís Noronha da Costa. O livro constitui uma obra-prima. “Era uma vez uma casa branca nas dunas, voltada para o mar. Tinha uma porta, sete janelas e uma varanda de madeira pintada de verde…” Todos nos lembramos desse começo e do “rapazito que passava os dias a brincar na praia”, com o cheiro a maresia, as algas e a transparência. Numa noite, depois de Setembro, houve um grande temporal. O vento gemeu e as ondas uivaram com violência, mas, na manhã seguinte, veio o “sol brilhante”. E o rapazinho correu à praia a ver os efeitos do temporal. Nadou muito, foi até às rochas e gozou a maré vaza. Quando estava deitado, antes de regressar a casa, ouviu gargalhadas esquisitas, uma das quais era “como se a água ou o vidro rissem”. E viu um polvo, um caranguejo, um peixe e “uma menina muito pequenina”, todos a rir. A menina tinha um palmo, “ cabelos verdes, olhos roxos e um vestido feito de algas encarnadas”. E dançou, ao som dos bizarros instrumentos de seus companheiros, com a água a bailar também. Até que todos se foram, e o rapazinho não pôde acompanhá-los, porque se o fizesse morreria afogado. No dia seguinte, a cena repetiu-se e o rapaz agarrou a Menina do Mar. O polvo, o caranguejo e o peixe tentaram salvá-la, sem êxito. Ela chorava e gritava, apavorada: – Vais-me fritar… Mas o rapazito sossegou-a: “Só te quero ver bem…” E a Menina contou-lhe a sua história. “Um dia uma gaivota trouxe-me no bico para esta praia”. O polvo, o caranguejo e o peixe ajudaram-na, e ninguém lhe fazia mal porque era a “bailarina da Grande Raia”, a “dona destes mares”. Depois, o rapaz levou-a de novo aos amigos, mas a menina pediu-lhe para que quando voltasse trouxesse coisas da terra. E ele trouxe uma rosa, de que a menina muito gostou, mas achou que na terra havia “tristeza dentro das coisas bonitas”. E o rapazinho deu uma explicação – Era por causa da saudade, “a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora”. Depois, trouxe uma caixa de fósforos. A menina achou-a desinteressante. Mas o rapaz fez fogo e a menina achou que era “um sol pequenino”. Mas pensou que estava diante um bruxo, quando o rapaz apagou o fósforo com um sopro. E pediu para ver mais “coisas da terra”. E o rapaz trouxe vinho, com cheiro a Outono. Porém, um dia, a menina deixou de aparecer. Até que no Inverno surgiu uma gaivota a pedir ao rapaz para visitar a menina. Ele bebeu um filtro, um suco de anémonas e de plantas mágicas, e foi levado por um golfinho à gruta de coral onde a menina vivia, num jardim de anémonas azuis. E ela ficou muito feliz. Tinha muitas saudades. Já nem sabia dançar. E o Rei do Mar fez-lhe voltar a alegria, para dançar melhor do que nunca.  


Guilherme d’Oliveira Martins

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