A Vida dos Livros

UM LIVRO POR SEMANA

No dia 15 de Outubro de 1905, há exactamente cem anos, Winsor McCay publicou a primeira prancha de “Little Nemo in Slumberland”. Então, a história da “Banda Desenhada” entrou numa nova fase, autonomizando-se como Arte com características próprias, a meio caminho entre a literatura e a ilustração, antecipatória do que traria o século XX.

UM LIVRO POR SEMANA
De 17 a 23 de Outubro de 2005


No dia 15 de Outubro de 1905, há exactamente cem anos, Winsor McCay publicou a primeira prancha de “Little Nemo in Slumberland”. Então, a história da “Banda Desenhada” entrou numa nova fase, autonomizando-se como Arte com características próprias, a meio caminho entre a literatura e a ilustração, antecipatória do que traria o século XX. E quando hoje nos confrontamos com a panóplia dos “efeitos especiais”, não podemos esquecer que as velhas histórias de quadradinhos estão no cerne dessa via imaginosa. E “Slumberland”, o mundo do sono do pequeno Nemo, tem de ser lembrado. Falo-vos hoje de uma preciosidade bibliográfica, que me veio às mãos pela oferta muito amiga de uma querida professora, e que fez parte do espólio do saudoso pintor José Guerra – Little Nemo, Edições de Aldo Garzanti e Pierre Horay, Milão e Paris, 1969. A obra reproduz as pranchas publicadas de Outubro de 1905 a 25 de Dezembro de 1910, as primeiras e as mais célebres dessa série mítica (que acabaria em 26.12.1926 no “Herald Tribune”). A sua leitura constitui um deleite para a vista e para a mente. Lá estão a originalidade do grafismo e o encontro entre a Arte Nova e o modernismo dos caricaturistas dos anos dez e vinte. Dir-se-ia que Nemo concentra em si o espírito do novo século. É certo que o século XIX já anunciara as virtualidades narrativas da ilustração (e Rafael Bordalo Pinheiro é um bom exemplo disso), no entanto só o século XX, de modos muito diversos, deu largas a esta expressão artística. “Little Nemo” começou a ser publicado no “The New York Herald” em página inteira, muitas vezes a cores, o que dava a estas aventuras um esplendor especial, que marcou indelevelmente as crianças e os jovens desse tempo. “Slumberland é a mais maravilhosa região do céu, não percas nada, tudo é para ver…” – diz o enviado do rei Morfeu. Assim é. Nemo ou Wiston Júnior, o filho do autor, parece ter por hábito comer demais antes de se deitar. Daí os pesadelos agitados que tem. Na primeira aventura, o pequeno é chamado a esse mundo fantástico e cavalga no dorso de um cavalo, mas, como normalmente irá acontecer, acaba lançado no vazio, entre os mundos de Morfeu e do Despertar, envolto em lençóis e caído aos pés da cama… As imagens e as metamorfoses vão-se sucedendo com a desproporção própria dos sonhos – cogumelos, macacos, perus, leões, ursos, peles-vermelhas, arlequins, monstros, princesas, polícias, brinquedos, soldados, tudo. Até que Nemo encontra um companheiro e inimigo, um anão opinioso, doutoral, Flip, que, a pouco e pouco, se torna tão importante (ou até mais) como o pequeno adormecido. E na célebre prancha de 26 de Julho de 1908, inesperadamente, Flip aparece deitado ao lado de Nemo e este fica espantado. Flip esclarece: “É preciso que eu também durma por vezes”. As pernas da cama tornam descomunais e lá vão eles pelas ruas de Nova Iorque até ao acordar… Little Nemo, símbolo da imaginação. 


Guilherme d’Oliveira Martins

Subscreva a nossa newsletter